Dès vu: rua 4, n° 0157

01:25 Kamila Siqueira 0 Comments

  27/12/2017


 Dès vu: a percepção de que um dia isso irá virar uma lembrança (The Dictionary of Obscure Sorrows).
   Eu nunca lidei bem com mudanças. Não digo isso com orgulho, pois é algo que estou o tempo inteiro trabalhando para melhorar em mim. Mas em algumas épocas, como neste momento em que escrevo um texto e ouço os carros passeando lá fora de madrugada, torna-se mais difícil. Dezembro.
   Eu sinto falta de tantas coisas. Sinto falta do sino e daquela música da meia-noite, que eu fingia não gostar, mas que me trazia um conforto familiar. Eu sinto falta dos bombons que sumiram. Eu sinto falta dos dias mais longos, da época com mais dias, quando tínhamos tempo o bastante para encontrar amigos antigos e para fazer amigos (secretos). Eu sinto falta de quando não faltava ninguém. 
   Eu sei que algumas das mudanças partiram de mim, de escolhas minhas. E a cada dia, eu tenho mais e mais certeza de que fiz as escolhas certas. Eu amei absolutamente todas as coisas que estas paredes ouviram no silêncio das madrugadas, mas eu não sei se um dia vou voltar a vivê-las. Mesmo se eu quisesse.
   Sei que todos mudaram por escolhas positivas. Sei que estão seguindo o curso da vida, que estão crescendo no mundo, encontrando o seu caminho e criando o seu espaço, em diferentes espaços. Eu juro que fico feliz com o que vejo. Não confunda as coisas, minha tristeza não deriva das mudanças positivas que vejo acontecendo com todos. É só que... É só que eu sinto saudades.
   Eu sinto saudades até do que está acontecendo neste exato momento. Uma risada gostosa que eu tento guardar em meu cérebro no momento em que ela chega em meus ouvidos, um sabor que eu não sinto em minha cidade e que não vai embora com a escova de dentes, um cheiro que está por todos os lados aqui. O cheiro das paredes. É como se eu estivesse "andando pela memória enquanto ela ainda está acontecendo".
   Eu passo as mãos por essas paredes e imagino como será quando eu não puder entrar mais nesta casa. Quando eu não puder mais sentir a renda das cortinas brancas embaixo das quais eu rodopiei. O chão por onde eu corria e onde dei alguns de meus primeiros passos (no sentido literal e no sentido figurado). Os esconderijos que me abrigaram em brincadeiras e em dores. A casa onde aprendi a sentir todas as formas de amor.
Eu percorro com os dedos as paredes e sinto com os pés o chão frio, que contrasta com o calor que sempre foi este lugar. E começo a sentir saudades, do que ainda está em minhas mãos. Eu nunca terei tempo o bastante para aproveitar tudo o que meu coração pede. Nunca terei voz para dizer todo o amor que sinto. Nunca conseguirei saciar essa saudade.
   Mas espero que um dia eu consiga aceitar as mudanças que atropelam o meu coração.

The dictionary of obscure sorrows: https://www.youtube.com/user/obscuresorrows


Dès vu: https://youtu.be/bPKoIZn6IJI


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