Almas perdidas

13:06 Kamila Siqueira 0 Comments

10/10/2014



É estranho pensar em como a gente se perdeu. Como nossas mentes eram quase siamesas e agora somos simplesmente duas pessoas distintas, separadas e distantes. É engraçado pensar em como distância não tem absolutamente nada a ver com quilômetros geográficos e sim com corações fechados. A gente não mora tão longe assim, em pouco mais de uma hora eu estaria na sua casa - isso porque não dirijo - mas você poderia facilmente pegar o carro e me encontrar em menos de vinte minutos para a gente tomar um sorvete nesse calor.


Mas você não faria isso. Quando precisou buscar umas coisas lá em casa, aproveitou o horário em que eu estaria no trabalho, porque era o melhor horário para você ou porque era mais fácil. E eu não te culpo. Era mais fácil mesmo.

O que aconteceu com a gente, minha menina? Eu não sei mais quem é você, você não se contentou em apenas mudar o corte de cabelo, até seu riso parece diferente agora. Por onde a gente andou para chegar a estradas tão diferentes? A gente sempre brincou de imaginar o futuro de tantas formas diferentes, mas nunca desta. Não assim, nos tornando pessoas completamente desconhecidas. Eu te vejo rindo de coisas sérias e agindo de uma maneira que não reconheço, te observo de longe enquanto você empina o nariz e desfila por aí. Será que eu também me tornei alguém tão diferente do seu ponto de vista?

Eu continuo fazendo o meu melhor, continuo agindo com o coração sem esperar retornos. Eu te perdoei, embora você nunca tenha pedido perdão (aquelas desculpas levianas naquele jantar não contam, sei que foram repletas de mágoa e desprovidas de sinceridade. Não a culpo, o erro foi meu - ainda era cedo demais para cobrar por pedidos de desculpas).

Eu não te contei, mas estou escrevendo um novo romance e procurando um emprego novo. Você também arrumou um emprego e eu não fiquei sabendo. Uma pessoa da minha família morreu e outra nasceu, eu tive crises de sinusite aguda umas três vezes no último ano e fiz novos amigos. Você não sabe de nada disso. Eu também não sei dos seus altos e baixos, mas sei que com certeza você os teve. Mas a gente não vai conversar sobre isso. Também não vamos fazer cachorros-quentes e assistir a filmes antigos até você dormir no sofá, não vamos planejar a próxima festa de ano novo ou ir nadar naquele clube que você sempre dizia para irmos no fim de semana. A gente não vai fazer mais nada.

Hoje você já me chama pelo meu nome ao invés do apelido, mesmo sabendo como isso sempre me magoava. Daqui um tempo, a gente vai se cruzar na rua e não vamos saber o que fazer, se nos cumprimentamos ou evitamos o olhar. Talvez você pare e diga um oi cordial, ou talvez só desacelere o passo e murmure um "tudo bom?", depois siga o caminho. No lançamento do meu livro, vou te esperar na fila de autógrafos e você não vai estar lá. Daqui a dez anos, eu vou me lembrar apenas das coisas boas e você ainda remoerá as ruins. Em vinte anos, não lembrará mais meu nome.

Eu sinto sua falta.

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Sobre as noites de sextas-feiras

11:26 Kamila Siqueira 0 Comments

06/10/2014


Eu queria ser como vocês, que riem sorrisos tão bonitos e não disfarçam com as mãos na boca. Queria saber exatamente onde ir quando desejar algo e como chegar até lá. Eu queria ter a coragem que vocês têm em sair sem planejar como voltar, em deixar pessoas para trás e não se perguntar se elas ficarão bem, não se importar com as questões que irão surgir e ignorar todas as investidas do destino em estragar seus planos. Eu queria ter as noites alcoólicas de passos perdidos que vocês têm, enganando o nascer do sol e prolongando a madrugada com a certeza de que tudo continuará tranquilo. Queria não sentir as vergonhas que sinto e não chamar a atenção para os tropeços como chamo. Não sei explicar meus passos tortos e vocês não os entendem porque caminham em linha reta mesmo quando embriagados de irresponsabilidades.

Eu queria não me importar. Não sentir a culpa que sinto e não carregar esta necessidade de me desculpar e me explicar por tudo. Às vezes não me explico nem me desculpo, mas me culpo e me calo com o remorso dos erros que não cometi. 

Eu sinto uma alegria e um amor sem fim, devido à insegurança de que tudo chegue ao fim. Vocês também amam, mas não se importam e amam sem promessas, sem dívidas, sem culpa porque a madrugada ainda vai longe. Eu tenho todas essas inseguranças palpáveis e sólidas, mesmo sabendo que um dia tudo isso irá se diluir em água e meus erros, meus pés tortos, minhas desculpas e nossos amores já não importarão mais, já não significarão nada além de uma lembrança borrada, que pode ser que tenha acontecido de verdade ou não. Eu queria cometer erros com a certeza de que eles irão se dissolver na maré da vida, como vocês fazem.

E eu queria não passar as madrugadas inteiras pensando em todas as voltas que o mundo pode dar, enquanto vocês mergulham pelas ruas noturnas. Sem medo, sem explicações e sem hora para voltar.

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