Demasia

15:43 Kamila Siqueira 1 Comments

28/01/2016



    "É que você é... você é oito ou oitenta, entende?"
    Não. 
    Entendo o que quer dizer, mas a verdade é que eu sou um oitenta completo, o tempo inteiro, sem espaço para oito nenhum.
    Eu sou um exagero.
    O tempo todo.
    
    Eu não guardo espaços vazios em meu coração, eu o preencho de alegrias e angústias até que não reste espaço nenhum e meus sentimentos transbordem para fora de mim. Eu passo a madrugada me despedaçando, morro a cada noite e desperto no outro dia, completamente cheia de vida. Eu escrevo todas as minhas sensações sufocantes e transformo pessoas em protagonistas de textos, crônicas, trechos, parágrafos, escrevo livros inteiros sobre pessoas pela metade. Eu entrego meu sangue e meu oxigênio quando julgo que é necessário, eu não tenho um termômetro muito preciso e não pretendo ter. Eu não vou me segurar, não vou controlar meus impulsos, não vou evitar demonstrar tudo o que sinto porque outros julgam que sinto demais.  

    Eu corro uma maratona inteira para mostrar que aprendi a andar, eu salto de um penhasco só para provar a mim mesma que não tenho mais medo, eu  mergulho fundo no meio do oceano sem saber nadar. A cautela não me cabe mais. Nunca me coube ter cautela, nunca me fez bem manter um pé atrás. Eu quero andar com os dois pés juntos porque acredito que só assim conseguirei chegar onde desejo. E meus desejos também não cabem no campo da modéstia. Eu quero ser grande, quero ir mais alto do que todos sugerem que eu vá, porque não tenho medo de altura. Eu entendo todos os medos e preocupações, mas eu não caibo dentro de tanta prudência. Eu preciso tentar e preciso dar o melhor de mim em tudo, preciso saber que fiz absolutamente tudo o que podia. Eu aposto todas as minhas fichas naquilo que todos duvidam, carrego uma confiança colossal de que tudo irá dar certo, de um jeito ou de outro. E se der errado, se eu cair, se tudo desmoronar, sei que pelo menos a queda será livre. Livre de culpa.

    E se tudo isso for intenso demais para você, se eu for grande demais para todas as suas precauções, eu vou embora. Porque eu não vou, jamais, em hipótese alguma, diminuir tudo o que sou para me encaixar em pedaços pequenos de vida.

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Malácia

11:21 Kamila Siqueira 0 Comments

    06/01/2016


    As ondas do mar me enchem os ouvidos de um som reconfortante e eu encho os pulmões de um suspiro profundo. Mais cedo, sentei-me diante do oceano e chorei. Não havia nada me causando dor, mas é que sempre que as águas salgadas beijam meus pés e eu ouço o sussurro das ondas, sinto que o mar pede para encontrar o mar que existe dentro de mim e eu deixo que ele escorra para fora dos meus olhos. Minha água salgada encontra a água salgada da Terra e eu sinto que está tudo bem, que faço parte deste mundo, que somos feitos da mesma matéria.

    Agora embalo a mim mesma deitada em uma rede, encarando o telhado de telhas alaranjadas. Alguém toca Wish You Were Here no violão e isso encosta no meu interior e remexe meus sentimentos. Penso naquele amor que deixei há alguns dias, sem um beijo de despedida e sem deixá-lo realmente. Penso no quanto estou perdidamente... perdidamente... perdida. O pensamento não me causa angústia, estou perdida de um jeito tão familiar que sinto-me segura, de alguma forma. Ouço o murmuro das ondas do mar e do vento, sinto o ar fresco encher meus pulmões. Tenho consciência de que nem tudo será calmaria e de que as ondas do mar também destroem e afogam. Mas respiro e o que sinto é uma calma plena. Como se eu flutuasse. Sinto que, de alguma forma, as coisas vão se encaixar, como sempre se encaixam e como nunca se encaixaram antes. Sinto o perigo iminente que o futuro pode me oferecer, mas ainda assim, por algum motivo, sinto que posso confiar na água salgada que beijou meus pés e no amor que não beijou meus lábios de despedida.

    A música dedilhada chega ao refrão e eu penso nas pessoas. Nas que estão ali, nas que estão longe, na família e nos amigos. Sorrio. Pergunto-me se elas conseguem sentir todo esse amor que sinto dentro do peito, um amor que me faz querer agradecer por tudo o que acontece, apesar de todo o resto. Sou completamente preenchida de um sentimento pacífico, que envolve e abraça meu coração, que me faz querer dizer obrigada o tempo inteiro. Por tudo o que tenho e por tudo o que sou. Por todos os abraços, por todas as risadas e por todo amor. Por todas as pessoas que passam pela minha vida, até aquelas com quem não troco muitas palavras. Por todas as gentilezas e as lições. Por todos os segundos que correram até que eu chegasse neste momento em que estou. É desse sentimento estranho que tiro a certeza de que tudo irá se encaixar. Desse sentimento.

    Gratidão. 

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