Uma avalanche de tempo

00:19 Kamila Siqueira 0 Comments

03.07.24

Sentir que não posso segurar o tempo me deixa louca.

Nós sempre tivemos essa briga, eu e ele, o tempo. Por vezes eu quis que ele passasse voando, como um foguete, mas ele me prendia em anos bissextos e calendários intermináveis. Era um sofrimento sem fim. Mas aí, de repente, não sei como aconteceu, eu me distraí e ele virou uma avalanche, gigantesca, que passou e carregou tudo o que estava pela frente de um jeito feroz, empurrou toda a bagunça, inclusive eu mesma.

E hoje eu só queria segurá-lo um pouquinho. Só um pouquinho, só me dê mais um pouquinho de tempo, por favor. Só me deixa tirar um tempo para sentar um pouco e chorar um pouco, chorar de medo, de pânico, de pavor, chorar com todo o desespero que mora no meu peito, que enforca a minha garganta. É que eu não tô pronta ainda. Eu não tô pronta ainda, entende? Eu preciso de mais tempo, eu preciso de mais dias, eu preciso me preparar melhor, eu ainda estou tão crua, tão despreparada, tão, tão... Eu não consigo ainda. Eu juro que não consigo ainda. Eu sei que todo mundo acha que eu consigo, mas eu juro, eu juro, eu sei, eu não consigo ainda. 

Por favor, não me obrigue a ir até lá me sentindo assim. Por favor, se eu precisar mesmo ir, ao menos arranque do meu peito esse desespero de ainda ser cedo. Ao menos me faça sentir que estou pronta, mesmo sendo ainda tão crua. Me faça sentir que o tempo foi longo e demorou a passar, que finalmente chegou, que é bom que tenha chegado o dia, mesmo que os ponteiros do relógio estejam na verdade se atropelando há semanas.

Não me deixe aqui sozinha, assistindo em desespero o tempo passar. Por favor, não me deixe assim. Por favor. 



0 Comentários:

Ferris

02:33 Kamila Siqueira 0 Comments

17.05.24

É tempo de silêncio. 
E admito, estou achando estranho, mas bom. Acho que o que estou achando mais estranho é o fato de achar bom. Pelo menos na maior parte das vezes.

Às vezes dá sim vontade de quebrar o espaço e voltar a viver como se nada tivesse acontecido. Ignorar toda a dor causada, relevar todo o aprendizado, fingir que voltei no tempo e que não houve destruição alguma, que o cristal não se quebrou. Compartilhar os sorrisos e sorrir como se nenhuma parte de mim estivesse machucada, porque eu sinto falta disso sim, sinto falta de compartilhar as risadas às vezes.

Mas não é possível. 
Eu não consigo mentir, não desta vez. Eu não consigo fingir que as risadas não são cruéis e que sei que às vezes elas riem de mim. Eu não consigo dar os mesmos abraços que dava, não consigo chamar pelos nomes que chamava, não consigo entregar o meu amparo do jeito que entregava. Não consigo abrir meu peito do jeito que abria, me sentindo tão segura quanto era antes de tudo. Tudo, tudo mudou.

Como eles não percebem isso? Como não percebem que tanta coisa mudou, que o que aconteceu foi grande demais para mim e me despedaçou e me fez colar tudo de volta, mas de um jeito completamente diferente? Ou será que eles sabem, será que percebem e fingem que não? 

Eu não sei. E não posso falar sobre isso. Porque é tempo de silêncio, é tempo de me sentar ao longe, de olhar a roda gigante e desejar estar lá em cima, mas saber que, por enquanto, meu lugar é aqui embaixo. Meu lugar é longe, cuidando de mim. Cuidando do que está por perto. Meu lugar é comigo, com eles, com Ele, os mais importantes. Eu entendo e aceito o meu lugar.

Mas não deixo de me perguntar para quais lugares esse caminho me levará. 





0 Comentários:

S.O.S

21:26 Kamila Siqueira 0 Comments

26.01.24

Eu queria poder salvar a sua vida.
Eu juro, eu queria muito, muito.
Queria te tirar do buraco, te resgatar dessa área sombria, arrancar essa dor de dentro do teu peito com os meus próprios braços e te apontar o caminho mais leve a seguir. Eu queria te falar palavras mágicas que fossem  te fazer sentir melhor, que fossem te preencher inteira de felicidade.

Mas eu não posso.

Eu não disse que não quero, é que eu não posso. Não consigo. Não sei o que fazer, não sinto que tenho esse poder, não consigo alcançar a tua sombra. Eu sou só um grão, como você. E isso também me deixa louca. 

Sinto culpa, mesmo sabendo que essa escuridão não é culpa minha. Do mesmo jeito que a minha escuridão nunca foi culpa sua. Do mesmo jeito que você nunca me tirou da minha escuridão. Eu sei que às vezes não parece, mas eu também passeio pela corda bamba dessa escuridão o tempo todo. E já caí muitas, muitas vezes. E já quis pular em muitas delas. Já quis acabar com tudo, já quis muito. E de vez em quando ainda quero.

Eu queria que você pudesse me salvar. Você e os outros, eu queria que vocês fossem minha salvação, meu bote salva-vidas. Mas vocês não são. E eu sei que não é porque você não quer, é porque você não pode. Eu sempre tenho que salvar a mim mesma. Toda vez. E toda vez dói. Toda vez me sinto só. Mas toda vez me forço a me resgatar, para conseguir encontrar vocês de novo do outro lado.

Me desculpe por não conseguir te salvar. Mas o que eu puder fazer, o que estiver ao alcance das minhas mãos através desse muro invisível, eu estou disposta a fazer. Eu só preciso que você me diga, porque eu não consigo enxergar através do muro. Eu preciso que você me aponte o que fazer. E se não houver nada que eu possa fazer, eu preciso que você saiba que eu estou logo atrás do muro, logo no final da corda bamba, logo na saída do túnel que não parece ter fim. Eu estou bem no limite de onde consigo ir, torcendo pra que você chegue logo, fazendo orações atrás de orações para que você ganhe mais forças, gritando seu nome, enviando todo o amor que eu tenho. Eu juro que tô aqui, mesmo que você não consiga ver. 

E eu sei que você vai chegar aqui. Eu não tenho a menor dúvida disso. Eu sei, porque eu te enxergo bem maior do que você acha que é. Eu sei que você está caminhando pra cá, mesmo que você tenha a sensação de que está andando em círculos. Eu vejo cada passinho seu. Eu vibro a cada passinho seu. Você vai sair dessa sombra, você vai chegar aqui. E tudo vai ficar bem. Acredita em mim.

Por favor, acredita em mim.



0 Comentários: