Adeus, disse ele à flor. Mas a flor não respondeu.

15:54 Kamila Siqueira 0 Comments

27/12/2022

"Ele julgava nunca mais voltar. E, quando regou pela última vez a flor, e se dispunha a colocá-la sob a redoma, percebeu que estava com vontade de chorar.
Adeus, disse ele à flor. Mas a flor não respondeu."


Hoje eu pensei de novo em ir embora.

Fazia um grande tempo que o pensamento não passava pela minha cabeça. Mas é que às vezes os dias são tão difíceis, as palavras são tão duras, os obstáculos se tornam rochas intransponíveis... A minha cabeça dói e eu perco a minha força. 

Eu nunca tive um caminho para seguir. O que eu sempre fiz foi driblar as rochas para tentar seguir em frente porque os outros me diziam que eu deveria seguir, que eu não podia ir embora, que ir embora é ruim. Mas desistir sempre me pareceu tão mais pacífico... Dói muito continuar. Não é possível quebrar as rochas, apenas desviar. Mas e quando fica apertado demais para desviar, para passar entre elas? Eu queria desistir, parar de seguir em frente. Eu queria ir embora sem ouvir os outros, sem pensar nos outros. Eu só queria parar com tudo isso.

Eu continuo pensando nisso, acho que nunca vou parar. Acho que nunca terá uma saída para mim além dessa. Um dia, as rochas ficarão tão altas e tão próximas umas das outras que eu não terei mais como desviar para seguir em frente. Eu vou ter que ir embora. Eu vou ter que parar de ouvir vocês e ir embora, entende? Não é minha culpa. 
Eu vou ter que ir.

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Aquela de setembro

14:51 Kamila Siqueira 0 Comments

27-09-2022

Pensei em escrever um diário.

Pensei nisso tantas vezes. Para depois olhar para trás e me lembrar de tudo o que esqueço, de todas as vezes em que deixei para lá, em que deixei passar para não estragar as coisas, para não incomodar ninguém. Tantas vezes em que deixei (e ainda deixo) me cutucarem até sangrar, só para que os outros não se incomodem. 

"Tudo bem, não tem problema".
"Tudo bem, eu lido com isso". 
"Tudo bem, não fiquei magoada".

Eu me esqueço de que tenho o direito de me magoar. De que não é a primeira vez. Nem a segunda. Nem a terceira. Me esqueço de que quem me aponta o dedo sujo, mexeu em sujeira primeiro, quem me julga, tem condenações prévias, quem me ataca, tem o teto envidraçado. Mas eu não sei contra-atacar. Eu não sei tirar a mágoa de dentro de mim e transformá-la em defesa, em justiça. Eu estou sozinha e não sei me proteger.

Procuro abrigo em mim mesma, no meu silêncio, porque sei que não adianta tentar falar. Não vão me ouvir. Não tem ninguém para me ajudar, para me confortar, para me cuidar. Os últimos tempos foram difíceis e me deixaram cada vez mais sozinha. Preciso constantemente me lembrar do que realmente importa, de onde realmente está o meu futuro. De onde está o meu objetivo. Preciso constantemente me lembrar de que as escolhas são minhas e ninguém tem o direito de julgá-las.

Eu deveria escrever um diário para não me esquecer.






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O corpo não desfaz cicatrizes

00:53 Kamila Siqueira 0 Comments

02/06/2022


Ela me contou que quando tinha três anos de idade, um ferro de passar roupas caiu em sua perna e queimou a sua pele. Décadas depois, ela ainda tem a cicatriz. Não dói.

Mas a pele ficou repuxada. Marcada. 

"Quando passo a mão, eu sinto o relevo da cicatriz. Vejo, toco, sei que está lá e me lembro do que aconteceu. Mas o importante é que eu não deixei de andar por causa dela. É como a sua cicatriz dentro de você, entende?"

E eu entendo. É bom ouvir isso, ouvir alguém dizer que vê minha cicatriz. Que eu tenho sim uma cicatriz e que é perfeitamente normal que às vezes eu passe a mão sobre ela e ainda a sinta. Muita gente não entende isso, por ser marca antiga, por ser uma marca invisível. Por não ser algo palpável. Mas eu sei que ela está lá. Eu sinto que ela está ali.

"O corpo não desfaz cicatrizes."

Dificilmente eu me lembro dela, mas às vezes acontece de passar a mão sem querer. E eu estou aprendendo a não ter vergonha dela, a não ter vergonha de dizer que, quando sinto seu relevo, eu me lembro do ardor. Doeu demais, sabe? Acho que pouca gente sabe. Acho que só quem tem uma dessas, uma igual a minha, sabe. Dói demais e às vezes a gente se lembra da dor, e às vezes a gente chora um pouquinho de novo. Mas não tem problema, porque dor de alma é assim mesmo, a gente tem o direito de chorar tudo de novo de vez em quando. E depois a gente continua andando, porque a cicatriz, de alma ou de ferro, não impede a gente de andar.

 Ninguém mais me impede de andar.





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