Diagnóstico
29/05/19
A expressão do médico era tensa, mas não havia rugas de surpresa em sua testa. Ele olhou para os papéis por uma última vez e logo depois para a paciente. Pigarreou.
- Minhas suspeitas foram confirmadas, é exatamente o que eu havia lhe dito.
A paciente pareceu um pouco mais surpresa que ele, como se até aquele momento ainda não estivesse completamente convencida de que estava doente.
A paciente pareceu um pouco mais surpresa que ele, como se até aquele momento ainda não estivesse completamente convencida de que estava doente.
- O senhor pode me explicar de novo como é essa doença?
Ele ajeitou a postura e agarrou a caneta prateada. Adotou um tom de voz afável. Mesmo não sendo a primeira vez que dizia isso, sabia o quanto era necessária a explicação.
- Um bichinho invisível morde a sua pele. No início, você tem a impressão de que é só um comichão passageiro, mas os sintomas retornam de tempos em tempos. Cada paciente desenvolve a doença de uma maneira e por isso, os sintomas são bastante variantes. Dores no peito, um cansaço muscular tão forte que às vezes o paciente não consegue se levantar da cama, náuseas, vômitos, diarréia, falta de ar, além dos sintomas mais comuns: olhos lacrimejando a qualquer momento e narinas congestionadas. Além disso...
Ele deu uma pausa perturbadora. A paciente, impaciente, apressou-o:
- Fale, doutor, eu aguento!
Ele a olhou nos olhos.
- Bom, além de tudo isso, você precisa saber: essa doença pode levar à morte.
Ela levou as mãos à cabeça.
- Por que eu? Entre tanta gente por aí, por que logo eu fui atacada por algo raro assim?
O médico negou com a cabeça veementemente.
- Não, não, não há nada de raro nisso. Essa doença é extremamente comum. Existe desde o início dos tempos, mas nas últimas décadas, sua incidência vem crescendo de um modo alarmante. Com certeza você conhece alguém que também a possui.
A paciente franziu a testa.
- Não, doutor, acho que eu sou a primeira vítima que conheço.
Ele quase sorriu, com pena.
- É claro que ninguém te contou que também é portador. Ninguém fala sobre essa doença. Talvez nem você fale sobre ela. É algo que os outros não acreditam muito que realmente exista.
- Como assim, não acreditam? Os sintomas são muito visíveis, o senhor mesmo disse que às vezes o paciente não consegue nem mesmo se levantar da cama.
- Sim, mas vão dizer simplesmente que você é preguiçosa. Ou que está inventando histórias para chamar a atenção, fazendo um drama.
- Mas e as náuseas, os olhos lacrimejando, a perda de peso?
- Tudo drama. É o que vão dizer.
- Mas e os casos de morte???
Ele deu de ombros.
- Tentativa de chamar a atenção.
- Doutor, como eu faço para acreditarem em mim, para me levarem a sério?
Ele pousou a caneta e o olhar. Soltou um suspiro alto.
- Essa resposta eu infelizmente não tenho. Apesar de atingir mais e mais pessoas a cada dia, a DPRSS ainda não é aceita por todos. Até mesmo quem a possui, muitas vezes aponta o dedo para os outros e diz que eles não a têm, que o caso deles é apenas frescura mesmo. Alguns doentes preferem esconder que são portadores. Outros tentam pedir a ajuda de familiares e amigos, mas são isolados do convívio de todos. Sinto muito, eu tenho o tratamento apenas para a doença. O julgamento alheio ainda não tem cura.