Grão de água

17:23 Kamila Siqueira 1 Comments

   30/12/2016



   Admito que é estranho dar estes passos.
   Logo eu, que sempre tive tantos receios em dar passos para frente sozinha, agora anseio por criar meu próprio caminho. Você consegue imaginar isso? Eu, que sempre sofri por antecipação e afoguei-me tantas vezes em minha ansiedade, agora desejo o desconhecido.
   Eu não sei de onde isso surgiu. É como se um interruptor se ligasse dentro de mim dizendo que está na hora. A minha hora. Aqui e agora.
   É a minha hora de ser cem por cento quem eu sou, de usar toda a minha capacidade para ir mais longe. Para chegar mais alto. De parar de me esconder, de me autossabotar, de me censurar. De parar de pedir desculpas por querer mais, de parar de me diminuir diante de outras pessoas, de parar de achar que eu não posso. Porque eu sou maior do que aparento. Sou mais forte, mais capaz e melhor. Porque não sou mais apenas uma gotinha d'água em um oceano imenso. Sei que ainda não sou tudo o que gostaria, mas estou me tornando algo mais concreto que isso. Mais firme. Como um grão bastante sólido. E sei que tenho toda a capacidade para ser o que quiser e chegar onde eu quiser. Eu só preciso enfrentar.
   Sempre senti que deveria carregar muitas coisas comigo se quisesse ser feliz. Que tinha a necessidade de ter pessoas e coisas comigo. Que precisava delas. Que não saberia viver se as perdesse por algum motivo. E então... Eu não sei muito bem como foi. Talvez as sessões de terapia tenham realmente funcionado ou talvez a maturidade tenha vindo com o tempo ou... sei lá. De repente aquela necessidade já não fazia mais parte de mim. De repente, naquela noite, a ficha caiu. Eu não preciso carregar nada comigo. É claro que ainda amo todos os que sempre amei e ainda quero todas as companhias que amo, mas há uma diferença tão gigantesca entre querer e precisar. Aquela necessidade quase física, aquela dependência que me trazia tantas angústias, que muitas vezes me impediu de fazer o que era melhor para mim por medo da perda, aquela coisa invisível que me segurou durante tanto tempo e me fez desistir de tantas coisas que tive vontade... tudo isso já não faz parte de mim. Carrego na bagagem apenas a minha confiança e os meus talentos. Sei que posso ir longe com isso. Sei que posso ser muito maior do que sou.
   Só preciso, finalmente, ser protagonista da minha própria vida.

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Abalo sísmico

01:56 Kamila Siqueira 0 Comments

  17/12/2016



  Suspiro.
  - Mas é que nós humanos temos um milhão de placas tectônicas dentro da gente e placas tectônicas não permanecem imóveis! - Pausa. Outro suspiro. - Quando eu digo que tô bem é porque estou mesmo. Eu tô legal. Mas, você sabe, as placas se movem milimetricamente a todo instante. Elas estão sempre se encostando ou se afastando, raspando uma na outra, desgastando-se e separando-se. E você sabe o que acontece quando placas tectônicas se movem, não sabe?
  Cinco segundos de silêncio.
  - Terremotos.
  Três segundos de silêncio.
  - Isso. Terremotos.
  Um silêncio mais longo do que aqueles que acontecem após desastres naturais.
  - Quando uma placa milimetricamente se move em minha vida, tudo desaba. Tudo. Eu não consigo segurar as minhas estruturas, não sei como sustentá-las. Não sei como me sustentar. Quando você me pergunta se estou bem e eu digo que sim, juro que estou dizendo a verdade. Mas no fundo eu também sei que a qualquer momento alguma coisa vai se mover, milimetricamente, e que tudo pode desabar em cima de mim. E eu não sei se já aprendi a lidar com essa insegurança.
  Os dedos que seguram a caneta tamborilam por três vezes, fazendo com que a ponta dela manche o papel.
  - O problema aqui é que você luta para continuar sentindo essa insegurança e não para superá-la.
  Cenho franzido.
  - Por que eu faria isso?
  O dar de ombros.
  - Porque é mais fácil. É mais seguro. Enfrentar todos esses medos e ter a certeza de que você vai ficar bem quando tudo desabar significa ter mais controle sobre a própria vida. E isso é assustador. Você já sabe como é estar no chão diante de todo o castelo de cartas desmanchado, já conhece exatamente o gosto da dor, sabe que do chão você não passa. Para você, é seguro cair. Você sabe como a queda é. Por outro lado, você não sabe como é encarar as adversidades dentro dos olhos e empinar seu nariz. Não sabe como é impor seus pensamentos e sentimentos quando alguém tenta passar por cima deles. Não sabe como é bater o pé com segurança e fazer o que é melhor para você. E não saber disso tudo traz um medo gigantesco, porque todos nós temos medo do desconhecido. Então você prefere permanecer frágil, prefere cair a todo instante, porque ao menos as consequências da queda você já conhece. - Pequena pausa. - Você sabe o que os países que sofrem com constantes terremotos fazem?
  - O quê?
  - Eles constroem edifícios mais seguros. Mais fortes. - Longa pausa- Você se lembra da história dos três porquinhos?
  - Claro que sim.
  - Você tem uma casa com quintal. E nesse quintal, você possui todo o material de construção que poderia ter. Você tem tijolos. Tem cimento. Tem areia, pedrinhas, tudo o que precisa. Mas você continua vivendo em uma casa de palha porque acha que assim é mais seguro. Porque acha que assim as coisas não vão mudar e que você vai conseguir manter todos perto de você e que se a casa cair, tudo bem, você já está acostumada com as quedas. Mas as quedas machucam. E você não precisa delas, você pode morar em uma casa de tijolos, você tem tudo em suas mãos para morar em uma casa de tijolos. Para não sofrer mais com as quedas.
  Longo, longo silêncio.
  - Construa sua casa, moça. Tome as rédeas da sua vida e não tenha medo das consequências disso. Não tenha medo das mudanças. A vida é sua, você pode fazer isso. Está tudo bem em construir sua própria casa. Está tudo bem. 

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