Desconectada

11:10 Kamila Siqueira 0 Comments



16/04/2019

Você não estava dormindo, mas estava muito, muito cansado depois de tudo o que fizemos e fechou os olhos por um instante.
Eu, deitada sobre seu peito, olhei para cima. Do meu ângulo via seu rosto sereno, sua barba naquela altura que já começa a te incomodar um pouco, o nariz fino respirando profundamente.

Eu acho que nunca te achei tão bonito em toda a minha vida.

Eu sempre te achei bonito, você sabe. Mas... Não sei. Naquele dia, durante aqueles minutos em que você permanecia de olhos fechados, durante aquela respiração descalculada, por um instante infinito, eu te enxerguei com uma beleza que nunca havia visto antes. E me senti cheia do amor mais puro que já fui capaz de sentir.
Passei os dedos levemente pela sua barba, torcendo para que não abrisse os olhos, porque comecei a sentir os meus próprios se enchendo de lágrimas. E isso era algo que eu não poderia explicar, então você não poderia ver. Como eu iria dizer que meu choro secreto de todas as noites de repente estava querendo se revelar ali, na sua frente? Como eu poderia te fazer entender tudo o que existia naquelas gotas que nasciam de mim?

Existia a admiração por ti. A estupefação por ter em minha frente, tão colado a mim, aquele ser humano. Aquele ser, com tudo o que ele é. Existia também a dor imensa de ser quem sou. A dor de saber que o seu caminho deveria ser outro, que você precisa ir mais longe, que um dia terá mesmo que ir.

Existia também, naquelas lágrimas que tentavam se formar enquanto eu lutava para que não caíssem, a tristeza em saber que talvez meu tempo seja curto. Que talvez eu não consiga mais lutar essa luta invisível por muito tempo, que talvez eu me afogue. Essa foi minha maior dor, porque ela significava, também, te causar dor. E meu bem, eu juro, eu não consigo nem imaginar o quanto me destruiria e o quão cruel e imperdoável seria te causar alguma dor. Essa fagulha de pensamento me fisgou tão fundo que só consegui me segurar porque você abriu os olhos.

Você abriu os olhos por um pequeno instante e eu logo fechei os meus, me aconchegando melhor ao seu peito, fingindo cansaço. Ficamos mais um tempo ali, em silêncio. Eu não disse absolutamente nada sobre tudo o que se passou pela minha mente durante aqueles minutos. Não soube absolutamente nada sobre o que se passava em sua mente, como nunca sei durante esses momentos de silêncio. O silêncio também doeu e eu me lembrei como sempre me dói esse silêncio dessas horas. Como sempre me sinto isolada.
Desconectada. Completamente.


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