Por que temos vergonha dos nossos sonhos?

18:49 Kamila Siqueira 0 Comments

 25/07/2015

Sempre disse à minha mãe que nasci para ser artista. Durante a infância, tive as fases de querer ser pintora, cantora, dançarina, atriz. Durante a adolescência, fiz aulas de piano por um ano. Aos 19, aprendi a fotografar. Mais tarde, fiz aulas de dança de salão. Fui uma criança tímida, mas gostava de imaginar que quando crescesse, isso iria mudar. Fazia as clássicas apresentações de canto e dança para a família no natal e aos onze anos, fui a Julieta na peça shakespeariana da escola. E no meio de todas as brincadeiras artísticas, havia a escrita.
   Escrever era diferente. Para ser atriz, eu imaginava que um dia faria um curso de teatro. Ou um dia aprenderia a cantar ou a tocar um instrumento. Mas nunca pensei em aprender a ser escritora porque, de alguma forma, eu já o era. Desde que aprendi a escrever. Os meus contos e historinhas mais antigos foram feitos em bloquinhos de papel, agendas, caderninhos. Aos seis, sete, oito anos. E não consegui me livrar do vício desde então.
   Aos quatorze, depois de passar por um dos comuns "períodos socialmente difíceis da adolescência na escola", escrevi um conto sobre suicídio. Não que a ideia do ato se passasse pela minha cabeça, era apenas um conto fictício derivado de angústias pessoais. Uma colega de classe o leu. E chorou. Aquele foi um dos momentos em que eu tive certeza absoluta de que era aquilo que deveria fazer pelo resto da minha vida.
   Mas não demorou muito para que eu percebesse que as coisas não eram tão simples assim. Aparentemente, se o que você gosta de fazer não está em uma lista de cursos universitários, você deve esquecer tal opção e, no máximo, procurar por algo parecido. E então, passei a mentir. De "Quero ser escritora" para "Não sei o que quero fazer, talvez jornalismo, letras, publicidade..." Pois bem, estudei, me formei, arrumei um emprego "normal".
 
   E passei a ter vergonha de tudo o que escrevo.

   Por que é que a gente tem vergonha dos nossos sonhos? Porque eles são julgados. Porque fazer arte ou qualquer coisa que fuja do padrão fazer-um-curso-e-procurar-um-emprego-tradicional deve ser levado apenas como um hobbie e não uma profissão. Porque tudo bem você ter o sonho de ser médico e passar décadas dedicando-se a isso, mas você não pode querer ter uma banda de rock. É até aceitável preferir estudar para um concurso público em vez de fazer uma faculdade, mas você não pode querer ganhar a vida como artista plástico.
   Admitir que queremos a arte por tempo integral é quase que sair do armário. "Mãe, pai, amigos, sociedade: eu sei que vocês não esperavam isso de mim. Acreditem, eu também não queria ser assim.Vocês acham que eu gosto de ser alvo de risadas? Tentei mudar, tentei gostar das outras coisas.  Mas eu nasci assim. Me desculpem, mas eu acho que sou... (pausa para respirar fundo e pronunciar a próxima palavra bem baixinho) artista."
   Quase ninguém leva isso a sério.
   "Você vai passar a vida toda brincando de ser ator?" "Olha, eu não estou dizendo que você não pode ter um grupo de pagode, mas arrume um trabalho de verdade além disso". Já parou para pensar que as mesmas pessoas que dizem isso, consomem arte? Elas vão ao cinema uma vez por semana, ver um filme hollywoodiano. Vão ao teatro prestigiar um humorista. Leem George Orwell antes de dormir. Se emocionam com um concerto da orquestra sinfônica. Por que é que a orquestra sinfônica é tão aclamada e um grupo de pagode é visto como "um bando de gente que não tem mais o que fazer"? Por que é que não podemos perder o novo filme do Tarantino, mas estudar cinema só "depois de ter uma formação de verdade"? E por que é que John Green é o segundo autor mais bem pago do mundo e meus romances precisam ficar escondidos nas gavetas? Eu gosto do John, ele também não poderia gostar do que escrevo?

Por que é que a gente têm vergonha dos nossos sonhos?
Por que é que a gente os acha bobos e idiotas?
Por quê?

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A menina e o telescópio

17:36 Kamila Siqueira 0 Comments

04/07/2015


   Era uma vez uma menina que possuía um telescópio. Passava horas durante as noites explorando o céu e suas estrelas, planetas, satélites. Divertia-se com as histórias mitológicas por trás das constelações e ria das histórias da lua e seus dragões.
   Uma noite, ela teve a sorte de deparar-se com uma estrela cadente. E sua alma encheu-se de alegria. Nunca havia visto algo tão mágico e de tão atordoada que ficara, não teve tempo nem mesmo para fazer um pedido. Foi tão rápido e efêmero que ela passou dias perguntando-se "Isso realmente aconteceu comigo?"
   Desde então, a menina nunca mais desgrudou os olhos do telescópio, esperando conseguir ver mais uma vez a estrela cadente. Noite após noite, varria o céu com os olhos procurando-a, chamando-a, desejando-a. Até que ela veio novamente. Mas, de novo, de tão boba que ficou, a menina nem falou. Sua mente paralisou, sua voz lhe abandonou, o coração suspirou. E, de novo, ela grudou os olhos no telescópio e esperou.
   Não é que ela não fosse feliz sem o asteroide. Ela já vira estrelas muito mais bonitas e satélites muito mais interessantes que aquele pequeno risco no céu. As crateras lunares, os planetas de brilho constante, tudo era tão fascinante! Mas a menina nunca conseguiu ter uma conexão tão profunda e natural quanto a que tinha com aquela viajante.
   Conseguiu vê-la durante muitas vezes, mas nunca, nunca era o suficiente. Sentou-se em frente o telescópio e perdeu-se no tempo, dedicando seu coração à efêmera estrela cadente.
   O tempo está passando e a menina continua lá, esperando pelos momentos rápidos e pequenos que a enchem de alegria. No interlúdio destes momentos, ela não se afasta do telescópio nem por um instante. Não olha à sua volta, não sabe o que acontece, não mora mais na Terra, está sempre distante. A menina já não é mais uma menina, mas ela não percebe. O tempo já passou, mas ela não se esquece. A vida está fluindo, o barco está partindo, o mundo a puxa para o chão, mas ela não consegue desviar sua atenção. Alguém, por favor, ajude-a. Tire-a dali, quebre o telescópio, mate as esperanças, liberte-a do ópio. Faça-a enxergar como ela está cega. Alguém, por favor, arranque fora seu coração.

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