Sobre um sopro

01:43 Kamila Siqueira 0 Comments

28/02/2015


Eu costumava desviar os olhos, entende? Por não saber o que dizer quando me encaravam por muito tempo. Mas eu não consegui desviar dos teus. Por algum motivo, quando me dei conta, já estava perdida entre o risco da lente dos seus óculos e aquela cicatriz perto do olho esquerdo. E eu descobri tantas cores novas dentro deles, tantos castanhos que nunca havia visto antes, que não consegui encontrar meu caminho de volta. Meus passos se perderam pelas cores claras daquela estação.

Eu sei que eu disse que não escreveria nada sobre isso porque não valia a pena, porque foi tão breve quanto um sopro. Mas é que o sopro tirou lascas de mim. E eu juro que estou tentando evitar preencher o vazio das lascas com minhas palavras, mas preciso dizer apenas uma ou duas. Só um pouco. Só sobre o teu sorriso.

Não me refiro àquele sorriso que todo mundo conhece e que você distribui tão magicamente por cada trajeto que faz. É uma marca sua e eu posso contar nos dedos quantas vezes te vi triste o bastante para abdicar desse sorriso. Mas eu me refiro ao outro. Aquele que mesmo te conhecendo tão bem, eu não conhecia. Aquele que vem de dentro de você, quase inconscientemente. Você tem consciência do quanto aquele sorriso é bonito? Você tenta disfarçar, mas desculpe, não funciona. Ele escapa dos teus lábios, tão escorregadio quanto sua voz que diz, um pouco mais grave que o normal: "Eu não sei direito o que está acontecendo, mas eu estou gostando".
Suas sobrancelhas tremem e lá vem o sorriso. Você quase tenta resistir e é isso o que eu gosto nele. Porque eu também quase tento resistir, quase tento não ceder, quase tento não seduzir, quase tento não rir das tuas piadas sem graça, quase tento engolir essa vontade de sentir sua pele na minha o tempo inteiro... mas de repente eu estou retribuindo o sorriso quase sem querer também. E a gente se torna aquele verão de novo. Olho o brilho claro dos seus olhos sob o sol e me encontro de novo onde um dia me perdi.

Eu não sei mergulhar fundo, mas poderia me afogar nos teus olhos sem protestos.

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Por meus olhos

01:11 Kamila Siqueira 0 Comments

04/02/2015


Pela chuva que cai pesadamente sobre meu corpo, sem guarda-chuva, sem casaco e sem preparo. Pelas gotas que atingem meus olhos quando encaro o céu molhado e a água que meus lábios saboreiam sem querer. Pelo céu estrelado, onde todas as estrelas sorriem e as nuvens me escondem a lua. Pela grama sob meus pés e meus sapatos encharcados que fazem barulho enquanto caminho e pulo. Pelos pulos. Meus saltos desajeitados e incontroláveis, por eles. Pelos sorrisos que vejo e as gargalhadas que ouço e as vozes que cantam e os corpos que dançam. Pelo som das vozes. Pelo calor dos abraços, a firmeza dos braços e o nó dos laços. Pelos passos que acompanham, que ecoam em uníssono e reverberam em conjunto. Pelas mãos. Ah, as mãos. Pelas mãos que se encontram quase sem querer, os dedos que se esbarram, se encostam e se entrelaçam. Pelos sorrisos trocados. As bocas que se confundem, se misturam e se derretem. Pelo suor e pelas lágrimas. As lágrimas que se derramam de olhos de todas as cores, quentes, frias, misturadas com chuva ou secas no meio das bochechas. Pelos olhos que enxergam as cores. Pelas cores. Pelos cheiros das flores, pelas frutas e os sabores, pela textura da terra. Pela terra molhada. Pelas asas dos pássaros, dos insetos e dos aviões. Pelas luzes das cidades e as estrelas do mar. Pela ressaca das ondas e a voz dentro das conchas. Pelos sussurros no ouvido do coração. Pelo peito que segura os batimentos gritantes lá de dentro, ansiosos e juvenis. Pelo corpo que se adapta, se conecta, se encontra. Pelo ar puro nos pulmões e o vento no rosto. Pelo calor do sol nos dias frios, pela sombra preciosa nos dias quentes, pelas nuvens que passeiam sob disfarces de bichinhos de algodão pelo céu azul. Pelo céu azul.

Pela minha pele que sente tudo isso, minha carne, minha alma e meu coração. Eu sou grata.

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