A ressaca do mar

16:59 Kamila Siqueira 0 Comments

   28/04/2020



     Hoje a tristeza foi tão grande que não consegui me desgrudar da minha própria pele para escrever outras histórias.

     A tela em branco me cobra, vazia. Mas me permiti dedicar o dia de hoje apenas ao espaço cheio aqui de dentro. Hoje o vazio foi tão grande que não houve espaço para mais nada.

     Curioso como uma pequena fagulha pode ocasionar um incêndio gigantesco. A faísca me fez enxergar de novo, me fez rever onde eu estava antes dessa pausa, dessa grande pausa. E o lugar onde eu estava era doloroso e hoje eu me lembrei por quê.

     Eu estava indo embora.

     Talvez eu estivesse indo até tarde demais. Já faz tanto tempo que não sinto que pertenço a esses lugares, a esses papéis, a essa vivência. Mas me agarrei com todas as forças porque sabia que se eu fosse embora dali, teria que ir embora de todas as coisas também. Eu estava indo embora, mas sem querer ir de verdade. Eu estava escapando, escorregando, caindo sem querer.

     Mas aí veio a pausa. E com a pausa, era impossível perceber que eu estava indo embora, porque ninguém podia mais ir a lugar nenhum mesmo. Até eu me esqueci de que estava indo. Fiquei. Fiquei por um tempo, fiquei como ficava antigamente, fiquei tranquilamente distraída, achei que fiquei inteira. Mas hoje a fagulha se acendeu e eu percebi de novo que estava partida ao meio, percebi como eu tinha escorregado, como estava distante da proximidade de sempre. Não existia mais nada daquilo para mim. A pausa camuflou o fato de que me mandaram embora, mas eu me lembrei. E agora não consigo me esquecer de novo.

     Quando tudo isso chegar ao fim, será o meu fim também? Será que a pausa renovou minhas chances ou voltaremos exatamente ao ponto em que paramos, onde eu estava escorregando pelo precipício? Eu não quero ir embora, mas não sei mais como ficar. Não sei se posso ficar, se me permitem ficar. Se eu suporto ficar... Não sei se há espaço para mim ou se terei que me espremer e me encolher como um peixe fora d'água que ainda tentar respirar em uma pequena poça. Não sei se terei ar, se terei fala, se terei importância, se lembrarão de mim.

       Não sei se terei amor.

     

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