Pra garantir

17:16 Kamila Siqueira 0 Comments

29/04/2017



Ontem eu pensei sobre a morte.

Quando todos já estavam dormindo, quando você já tinha me desejado o boa noite diário, quando eu já estava protegida embaixo das cobertas, dentro do silêncio do escuro, eu pensei sobre a morte.
Não como uma forma de solução ou resposta para as minhas angústias, mas como o inevitável destino que ela é. Ontem eu li uma reportagem sobre um acidente de trânsito em que duas pessoas morreram. Semana passada, enquanto eu viaja de ônibus, o trânsito da rodovia foi parado porque um homem morreu atropelado enquanto trabalhava em uma obra. A gente vai morrer. E a gente não sabe quando.

As primeiras coisas que me vêm à mente quando esse pensamento me sacode são as pessoas que eu deixaria para trás. Mas sei, ou ao menos espero, que eventualmente elas ficariam bem. A outra coisa que me vem à mente é o que gostaria de ter feito e não fiz: terminar o livro. Eu sei, eu deveria, não tem desculpa pra isso. Ontem, porém, outra coisa inundou meus pensamentos e foi isso que me manteve acordada até os olhos arderem.

Eu nunca disse que eu te amo.

Existe um milhão de razões estúpidas para isso, nenhuma delas é por não te amar. Eu te amo todos os dias. Quando você me dá bom dia às duas da tarde, quando você monta uma playlist com músicas que eu provavelmente vou gostar, quando você me faz rir de uma besteira idiota até doer a barriga, quando você pergunta como foi meu dia e quando manda eu beber bastante água e comer bem. Eu te amo quando você diz que odeia a hora de dar tchau e quando cozinha algo gostoso para mim. Quando me pede um cafuné depois de um dia cansativo e quando me compra um doce para me alegrar em uma semana difícil. Eu te amo quando você diz que sou capaz de fazer tudo aquilo que não me acho capaz. Quando acredita em mim mais do que eu mesma. Quando compreende todos os meus dramas e me acalma sem demora. Eu sei que eu não te digo isso, mas às vezes é difícil até não dizer.
Mordo minha língua como se fosse um segredo. Não faz o menor sentido, eu sei, mas é o medo de tudo desabar quando ainda estamos em meio à construção. É o medo do tempo, esse bichinho que tanto odeio. É medo.

Mas ontem foi aquele outro medo que me invadiu, aquele medo que pede urgência, o medo de morrer antes de conseguir dizer tudo isso. "Que besteira é essa, você não está morrendo", diz a minha razão. Mas ela não tem razão, não dessa vez, porque como é que a gente sabe quando será nossa última vez? Nosso último dia? Nossa última saída de casa? A gente não sabe, não tem como saber.

Por isso, eu vim aqui escrever. Quando for a hora, hoje à noite ou daqui sessenta anos, quando for minha hora, pelo menos já deixei eternizado. Pelo menos você poderá saber, meu bem. O mais importante. Agora, você já sabe.

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