As desvantagens de ser invisível

14:03 Kamila Siqueira 0 Comments

14/10/2015




   Desde aqueles dias em que dividimos guarda-chuvas e esperamos por um ônibus que nunca passava, a Terra deu em torno de si mesma, mais ou menos 300 voltas. As coisas mudaram uma, duas, três, trezentas vezes. Meu cabelo cresceu, eu troquei de emprego, comecei a terapia, fiz uma tatuagem. Acredito que sua vida também tenha mudado por um milhão de vezes e sou grata por ainda estar por perto para te ver crescer. Eu me sinto feliz, na maior parte do tempo e creio que você também se sente bem. Mas hoje experimentei uma coisa dentro do peito, uma sensação ruim que eu não via há muito tempo: eu me senti um fantasma.

    Bu!

   Não digo que a culpa foi sua, apesar de você ser a causa. Eu entendo seu lado, sei porquê omitiu aqueles dias da sua história. Sei porquê contou como se a Terra tivesse dado 365 voltas completas, ininterruptas. Mas não posso negar que dói. É como se eu assistisse minha pele, que outrora te tocava, tornar-se transparente e invisível à luz do sol. Como se eu fosse feita de gotas d'água que escorrem límpidas e se dissolvem em meio ao rio corrente, perdendo-se. Afogo-me.

  Você não foi o primeiro a manter-me em segredo e é isso o que me faz perguntar-me diante do espelho se ainda sou visível ou se já me tornei um fantasma por completo. As coisas são tão reais para mim e nunca deixam de ser. Sendo boas ou ruins, elas me deixam marcas que carrego comigo pelo resto da vida. São pequenas peças do quebra-cabeças desorganizado de que sou feita,. Entenda, eu não desejo que a gente volte a dividir um guarda-chuva, mas é que eu guardo as boas lembranças de uma forma tão eterna quanto aquela sua cicatriz escondida pelos óculos. Eu não estou pedindo que me relembre o tempo inteiro e nem que conte toda a verdade a ninguém. Só quero que dentro de você, essa lembrança ainda seja algo agradável. Que você não seja como os outros, que se arrependem, se envergonham e fingem que o fantasma nunca existiu. Que não negue como foram bonitas aquelas tardes de verão e como nosso riso era profundo.
   Os outros esqueceram-se antes mesmo de eu ir embora por completo. Não quero ser mais um fantasma, não de novo, não dessa vez. Por isso te peço, enquanto ainda sou visível, enquanto ainda não me dissolvi no mar de memórias corroídas: não se esqueça. Que me lembre em segredo, mas que me lembre. 
   Se eu corria, eu corria demais só pra te ver, meu bem.

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