Submersão
23/08/2016
Quando eu era criança, não podia entrar em piscinas fundas se não estivesse usando uma bóia em cada braço. Nunca aprendi a nadar. Na primeira vez em que vi o mar, apenas meus pés o conheceram de perto e suas águas só puderam subir até minhas canelas. Mais tarde, aprendi a mergulhar em um oceano diferente. Um mar interno. Metafórico.
Meu coração nunca foi raso. E, embora eu cultivasse um certo medo das ondas traiçoeiras do oceano real, eu nunca temi mergulhar em mim mesma. Eu construí um castelo submerso nessa alma líquida, construí uma cidade inteira, minha própria Atlântida. Mas, até hoje, sinto que não conheci todos os pedacinhos dessa imensidão profunda.
O problema é que de vez em quando, desses pedacinhos escuros e desconhecidos, surgem sereias. E elas cantam para mim. E o canto me embala, me eleva, me envolve e me puxa para mar adentro, para o fundo, para os cantos escuros e misteriosos. E a sensação é tão deliciosa, meu coração se aquece, sinto o calor de outra pele em minha pele e não quero nunca mais voltar à superfície. E é aí que eu me afogo.
Esqueço-me das recomendações para não entrar em águas profundas, esqueço-me de que não sei nadar e me afogo. Me afundo. Me engasgo com a água salgada, que queima minhas narinas, minha garganta, meus pulmões, que lutam para respirar. A água salgada que engulo se torna amarga, inunda meu corpo e envenena minha alma. Eu morro. A casca continua viva e sou obrigada a arrastá-la por todo o canto, enquanto tento ressuscitar o coração. Um, dois, três. Um, dois, três. Até que, mais cedo ou mais tarde, ele volta a bater.
Tantas vezes isso me aconteceu, tantas vezes me deixei levar pelo canto doce e fui engolida pelas ondas traiçoeiras do oceano. Até que prometi a mim mesma manter distância da água. Mantive os pés firmes no chão o quanto pude, mas aí... aí... Bom, aí você me apareceu. E me chamou pra nadar com você. E eu fui, de colete salva-vidas, achando que assim estaria livre de qualquer mal. Brinquei na água contigo. Tentei permanecer onde meus pés alcançavam a areia. Mas de repente, me deu uma vontade louca e irresponsável de mergulhar contigo e eu não podia mergulhar de colete salva-vidas. Livrei-me do colete. Livrei-me das amarras. Livrei-me dos medos, das inseguranças, dos traumas, das recomendações alheias. Livrei-me até da própria roupa. E a cada dia eu mergulho mais fundo e tenho a sensação estranha de que consigo respirar embaixo d'água. De que não vou me afogar. De que está tudo bem.
Às vezes piso em falso, em algum buraco escondido pela areia submersa. Nesses momentos, algo atinge minha consciência e me faz lembrar o quanto estou me arriscando. E me faz querer te pedir. Te implorar. Por favor, não seja mais uma sereia que canta para me afundar. Por favor, não roube todo o oxigênio que tenho até me assistir morrer. Por favor, por favor, por favor, não me faça morrer de novo. Por favor.