Cais/Caos
24/03/2020
- Não queria ter voltado aqui - disse ela, quando se encontrou novamente sentada em frente à janela aberta para o mar.
- Eu sei.
- Eu estou tentando não voltar para esse estado, você sabe. Estou tentando de verdade, de verdade mesmo.
- Eu sei - a outra voz respondeu, encarando a paisagem à frente. Como nas outras vezes, até o mar estava silencioso. - Mas eles não sabem disso. Não se esqueça de que eles não sabem.
O olhar dela estava cheio, mas não derramava. Ela não conseguia derramar mais nada, apenas sentia seu coração doendo absurdamente. O silêncio fora de si reinava, as areias intactas.
- E se eu tentar explicar a eles?
Ele deu de ombros
- É como te disse na última vez. Eles não são capazes de enxergar como você enxerga e não é culpa deles. Nem sua. Apenas não é possível.
- De nenhuma forma?
- De nenhuma forma.
Mais silêncio.
- Às vezes eu ainda penso muito em ir até lá - ela confessou, apontando com a cabeça para o oceano. - Sei que machucaria alguns, mas às vezes eu sinto que meus pés já estão lá, molhados. Às vezes eu sinto que na verdade não machucaria ninguém...
- Talvez não.
O pensamento dela vagou.
- Eles vão embora, não vão? Mais cedo ou mais tarde, eles todos vão embora.
- Vão.
- Eu não acredito que poderei ser feliz quando eles forem.
O silêncio, sempre úmido e pegajoso. O vento não soprava, o ar estava quente, o oceano lá fora era quieto e impiedoso, em sua imensidão.
Quando a voz dele saiu, era grave e firme.
- E você era feliz até agora?