O corpo não desfaz cicatrizes
Mas a pele ficou repuxada. Marcada.
"Quando passo a mão, eu sinto o relevo da cicatriz. Vejo, toco, sei que está lá e me lembro do que aconteceu. Mas o importante é que eu não deixei de andar por causa dela. É como a sua cicatriz dentro de você, entende?"
E eu entendo. É bom ouvir isso, ouvir alguém dizer que vê minha cicatriz. Que eu tenho sim uma cicatriz e que é perfeitamente normal que às vezes eu passe a mão sobre ela e ainda a sinta. Muita gente não entende isso, por ser marca antiga, por ser uma marca invisível. Por não ser algo palpável. Mas eu sei que ela está lá. Eu sinto que ela está ali.
"O corpo não desfaz cicatrizes."
Dificilmente eu me lembro dela, mas às vezes acontece de passar a mão sem querer. E eu estou aprendendo a não ter vergonha dela, a não ter vergonha de dizer que, quando sinto seu relevo, eu me lembro do ardor. Doeu demais, sabe? Acho que pouca gente sabe. Acho que só quem tem uma dessas, uma igual a minha, sabe. Dói demais e às vezes a gente se lembra da dor, e às vezes a gente chora um pouquinho de novo. Mas não tem problema, porque dor de alma é assim mesmo, a gente tem o direito de chorar tudo de novo de vez em quando. E depois a gente continua andando, porque a cicatriz, de alma ou de ferro, não impede a gente de andar.
Ninguém mais me impede de andar.