Cai(o)s
12/07/2019
Encontrou-se sentada em uma cadeira, em frente à janela. A cadeira ao lado foi ocupada pelo outro. A vista da janela era preenchida pela paisagem da praia deserta, o mar à frente.
- Por que tirou os óculos?
Ele fazia a pergunta. Ela não o olhava, estava com a atenção fixa nas ondas do mar.
- Não aguentei enxergar a verdade tão nitidamente.
Breve silêncio.
- Sentiu dor?
Ela concordou com a cabeça. Ainda com os olhos fixos na paisagem, perguntou:
- Não há nada que eu possa fazer para mudar isso, há?
Ele negou.
- Enxergar com as suas vistas está além da capacidade deles. Não é culpa sua. Não é culpa deles. Apenas... nunca vai acontecer.
A angústia no peito queria ser derramada, mas ela não conseguia mais chorar.
- Eu sempre estive sozinha?
- Sempre.
Silêncio.
- E por que eu nunca percebi?
- O amor que sentia por eles não permitia.
Ela entendeu.
- E agora esse amor está mudando...
- ... e mudará cada vez mais.
Nem as ondas do mar falavam. Não havia vento soprando, não havia sinal de outras pessoas, não havia nenhum ruído.
Ela se virou para ele.
- Você acha que um dia eu terei que vir para cá de verdade? Para... me livrar dos sentimentos?
- Para cá? - Perguntou ele, olhando à sua volta. - Ou para cá? - apontou para o mar profundo.
Ela deu de ombros. Ele respondeu firmemente.
- Qualquer uma das opções poderia te libertar. Mas você não teria coragem de seguir nenhum dos dois caminhos. E não estou dizendo que deveria encontrar coragem.
- E o que eu deveria fazer?
Ele voltou o olhar novamente para a paisagem além da janela. Dependendo do modo como olhava, o mar parecia um convite. Um convite doloroso e libertador. Não havia som algum. O sol não brilhava. Os pássaros não estavam ali há tempos. Apenas um longo trecho de areia escura, envelhecida, e o oceano implacável.
- Nada. Não há mais nada a ser feito.