Nem fim, nem começo
25/12/2019
Sempre será difícil.
O timbre, que só posso escutar ao longe. Os sorrisos, que nunca chegam até mim. A pele intocada, o choque que não aparece mais, o espelho que nunca mais testemunhou coisa alguma.
O aperto, rápido e insuficiente.
Eu nunca vou me acostumar.
Durante um milhão de anos, eu imaginei todas as realidades que poderiam acontecer. E eu sabia que, além delas, havia mais um milhão e meio que eu nem era capaz de imaginar. Duzentos mil caminhos que poderíamos seguir, centenas de atalhos entre eles, dezenas de escapatórias, uma dúzia e meia de trilhas completamente opostas que cada um de nós poderia adotar.
Eu não errei.
Os anos correram muito mais rapidamente do que eu imaginei, é verdade. Mas correram por um dos caminhos que eu intui. De alguma forma, eu sempre soube que seria assim. Não, eu não diria que sempre soube. Eu sempre temi que seria assim.
Eu queria ter errado.
Eu nunca vou entender as barreiras erguidas, eu nunca vou aceitar que aquele era o máximo que eu poderia ter. Porque eu sei que não era e hoje eu vejo que não era, hoje eu vejo tudo o que eu merecia e que me foi negado. Hoje eu vejo, bem na minha frente, tudo o que eu merecia e que me foi negado.
Eu nunca vou aceitar.
Deste ponto em que meus pés estão parados em diante, eu sei como será o caminho. Sei que ainda existem punhados e punhados de possibilidades e às vezes me acalma pensar que posso ser surpreendida. Mas sei que o provável caminho é de dor. Sempre será difícil. Sempre, sempre, sempre será difícil. Meu coração não se acostumará à realidade imposta a ele. Em algum rápido ponto do tempo, em algum pequeno grão da ampulheta, eu cheguei a acreditar que seria possível me acostumar. Que tudo o que preencheu meu coração um dia, desapareceria, se perderia ao longo da linha do tempo. Mas é outra linha que me liga. Um fio. Vermelho.
O caminho será de dor e sei que existe a possibilidade de a dor se multiplicar ao longo do tempo, aparecer em outros rostos, me torturar de maneiras que nem consigo imaginar ainda. Até ser substituída pela dor da ausência permanente. Qualquer que seja a ordem, o caminho e os atalhos seguidos, o que sei é que nunca mais será fácil.
Nunca mais será um lugar de paz.